Na última quinta-feira (19), o Supremo Tribunal Federal (STF) se reuniu em sessão plenária para deliberar sobre um tema importante: a recusa das Testemunhas de Jeová em aceitar transfusões de sangue no Sistema Único de Saúde (SUS).
Os dois recursos extraordinários em julgamento (RE 1.212.272 e RE 979.742) abordam questões fundamentais sobre a liberdade religiosa e a dignidade da pessoa humana. As apresentações orais das partes envolvidas e as manifestações dos amicus curiae (amigo da corte) ocorreram em agosto. Agora, os ministros do STF começam a proferir seus votos.
A questão chegou ao STF a partir de dois casos específicos: o de uma mulher que não autorizou a transfusão durante uma cirurgia cardíaca em um hospital de Maceió, levando à não realização do procedimento, e o de um homem de Manaus que solicitou uma cirurgia ortopédica em outro estado por não aceitar a transfusão de sangue, sendo que no Amazonas o procedimento é realizado com a transfusão.
Os ministros Flávio Dino, André Mendonça, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes acompanharam o relator, Luís Roberto Barroso, cuja decisão fortalece a liberdade de religião.
Dignidade humana e liberdade religiosa
O ministro Luís Roberto Barroso, relator do RE 979.742, destacou a importância da liberdade religiosa e da autonomia individual. Para ele, a dignidade da pessoa humana englobaria o valor intrínseco de cada indivíduo, a capacidade de realizar escolhas e o equilíbrio entre essa autonomia e os limites impostos pela sociedade.
No caso específico das Testemunhas de Jeová que recusam transfusões de sangue, Barroso sublinhou que a liberdade religiosa abrange crença, culto e proselitismo (que é o empenho de tentar convencer pessoas em prol de determinada causa, religião, doutrina ou ideologia), e que a recusa é legítima, especialmente diante dos avanços da medicina que permitem alternativas ao procedimento.
No entanto, essa recusa deve atender a critérios rigorosos, como ser expressa, livre, inequívoca e previamente informada.
Quais são as alternativas à transfusão de sangue?
O ministro Gilmar Mendes, relator do RE 1.212.272, destacou a importância das alternativas à transfusão de sangue, referindo-se a recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo Mendes, a OMS incentiva métodos que aumentem a segurança dos pacientes, considerando os riscos de contaminação associados às transfusões de sangue.
Durante o primeiro ano da pandemia de Covid-19, as doações de sangue caíram entre 15% e 20%, elevando as preocupações sobre a dependência de bancos de sangue. Nesse contexto, métodos como a Gestão do Sangue do Paciente (PBM – Patient Blood Management) surgem como alternativas que atendem às necessidades específicas de cada indivíduo.
Como a laicidade do estado afeta a decisão?
O ministro Flávio Dino sublinhou a importância do princípio da laicidade ao votar. A laicidade permite a convivência harmoniosa entre pessoas de diferentes crenças religiosas e garante a proteção da liberdade religiosa sem interferir nas crenças individuais.
Dino ressaltou que retrocessos institucionais ocorrem quando visões teocráticas são impostas, o que fere o Estado laico. Ele também propôs deixar claro na ementa ou na tese do julgamento que crianças e adolescentes são uma exceção e podem ser submetidos a transfusões sanguíneas se necessário.
Este julgamento marca um ponto significativo na defesa da liberdade religiosa e da autonomia do paciente, refletindo o respeito aos direitos fundamentais em um tema de grande importância moral.